Utilizando
exames laboratoriais de rotina na triagem de distúrbios hormonais
Polliana
Alves Franco
M.V.M.S.c.
Ciência Animal – Responsável Técnica do Laboratório VetAnalisa
Na clínica médica de
pequenos animais muitas vezes o médico se depara com situações em que os sinais
clínicos são comuns a uma série de doenças, na avaliação do paciente
endocrinopata essas situações irão ocorrer com frequência.
Quais os sinais clínicos observados
nos pets com distúrbios hormonais:
·
Poliúria
·
Polidipsia
·
Aumento de peso
·
Perda de peso
·
Letargia
·
Intolerância a exercícios
·
Polifagia
·
Dermatopatias
Estes são sinais bem comuns podem
confundir o clínico, daí chega o momento da “DÚVIDA”, algo que ele realmente
não precisa quando está tratando de um animal doente. Há neste instante a
necessidade de se recorrer ao Laboratório Clínico para tentar esclarecer o que
de fato ocorre ou pelo menos tentar diminuir a lista de diagnósticos
diferenciais. A partir da união do conhecimento do Clínico sobre o seu paciente
aliado aos exames laboratoriais é que será determinado o diagnóstico, e com
base nessas informações são estabelecidos os protocolos terapêuticos dependendo
de cada caso. Existe uma frase que li a bastante tempo numa apresentação da
Dra. Regina Takahira.
“Aquele que depende
totalmente do laboratório para fazer seu diagnóstico é provavelmente
inexperiente; aquele que diz que não depende do laboratório é desinformado. Em
ambos os casos, o paciente corre perigo”
J.A.Halsted
A Patologia clínica e a
Clínica Médica devem ser aliadas em todas as situações pois no final quem se
beneficiará é quem realmente precisa, o paciente. Na investigação das doenças
endócrinas saber quais exames laboratoriais utilizar é um ponto chave e que
pode direcionar muito melhor da busca do Diagnóstico. Os distúrbios hormonais
podem gerar alterações orgânicas que irão refletir no exames de formar uma
“trilha de migalhas” direcionando pouco a pouco ao objetivo final.
Quais os exames que são
solicitados na rotina médica:
·
Hemograma
·
Avaliações bioquímicas (Testes de lesão
hepática e metabólitos de excreção renal)
E só isso é suficiente para
me ajudar no diagnóstico das doenças endócrinas:
Infelizmente só isso não
será suficiente...
Quais exames poderiam entrar
na análise de rotina:
·
Urinálise
·
Glicemia
·
Colesterol total e Frações
·
Triglicerídeos
·
Sódio
·
Potássio
·
Cálcio
·
Fósforo
·
Creatinina Kinase
Iniciando pelo hemograma,
que afinal é o exame mais utilizado e que por ser também o que te fornecerá
grande parte dos dados para a investigação. O hemograma é dividido em quatro
partes: eritrograma (hemácias), leucograma (leucócitos), trombograma
(plaquetas) e microscopia (pesquisa de alterações morfológicas e hemoparasitos).
A primeira parte, o eritrograma fornece
informações relativas quantidade de hemácias, teor de hemoglobina e do volume
globular. As hemácias são corpúsculos produzidos pela medula óssea, são elas as
responsáveis por carrear o oxigênio aos tecidos. O estímulo à produção das
hemácias é desencadeado por um hormônio chamado de eritropoietina originado nas
células peritubulares renais. A concentração de eritropoietina é regulada pela
hipóxia tecidual, ou seja toda vez que diminui o teor de oxigênio, há elevação
da concentração de eritopoetina sanguínea para estimular uma maior produção
medular de hemácias. Este mecanismo regulatório é o que faz com que a
quantidade de eritrócitos se mantenha estável em condições normais ou se adeque
em regiões onde os níveis de oxigênio é mais rarefeito. Quando abordamos as
alterações no eritrograma estamos falando de anemia e policitemia. Na anemia, a principal doença endócrina
envolvida é o Hipotireoidismo, é sabido que os hormônios tireoideanos estão
envolvidos com o metabolismo, a sua falta dessa forma fará com que o organismo
fique mais “lento” e em contrapartida o seu excesso o tornará mais “acelerado”.
A produção de células sanguíneas será influenciada em resposta à diminuição da
demanda metabólica na forma de uma diminuição da produção e o reflexo disso
será observado no hemograma como anemia normocítica normocrômica
arregenerativa. Aproximadamente observada em 30-40% dos casos dos animais com
hipotireoidismo.
Alguns animais com
hipoadrenocorticismo também podem desenvolver o mesmo tipo de anemia em função
a reduzido estímulo à eritropoese secundária a deficiência de glicocorticoides.
A policitemia absoluta pelo
aumento da produção medular de eritrócitos é induzida pelas tiroxinas e pelos
glicorticóides, embora não seja regra é possível de ser observada em pacientes
excesso de hormônios tireoideanos e do córtex de adrenal.
A alteração mais notável no
leucograma seria causada pelo excesso da concentração de cortisol circulante.
Os glicocorticoide são utilizados na clínica médica pela sua ação antiflamatória
e imunossupressora. O paciente com excesso de glicorcorticóide pode ser
considerado imunossuprimido pela inibição direta ou indireta nas células de
defesa. O excesso de corticoides causa linfólise, redistribuição dos linfócitos
T para os tecidos linfóides e diminuição da migração dos neutrófilos para os
tecidos. No hemograma é gerado o famoso “leucograma de estress”, apresentado
como leucocitose, como neutrofilia sem desvio à esquerda, linfopenia e
eosinopenia. A microscopia do esfregaço sanguíneo podem ser observados
neutrófilos hipersegmentados secundários à permanência dos neutrófilos por mais
tempo que o normal na circulação.
Algo interessante ocorre com
pacientes com deficiência de corticoide. O leucograma de um animal com doença
grave, com processo inflamatório agudo ou que chegam em estado de choque é
justamente o leucograma de estress o que não ocorre no paciente com
hipoadrenocorticismo. O leucograma pode apresentar-se normal, com linfócitos
normais a elevados, eosinofilia e monocitose também podem estar presentes no
hemograma.
As plaquetas são afetadas
pelos efeitos dos glicocorticoides, o excesso de cortisol causa estímulo à
produção de plaquetas gerando valores acima dos valores de referência de cada
espécie. Uma complicação grave dos casos de hiperadrenocorticismo é o
tromboembolismo pulmonar.
A principal alteração da
bioquímica sérica é relatada pelo aumento da Fosfatase alcalina. A Fosfatase
alcalina possui isoenzimas ósseas, hepáticas e nos cães a isoenzima induzida
por corticosteroides (FAL ic) que não são diferenciadas pelas análise
bioquímicas de rotina. A elevação da isoenzima induzida corticosteroide em
grande parte de pacientes com hiperadrenocorticismo geram valores desproporcionais
quando comparadas com a elevação relatada da Alanina aminotransferose (ALT). Há
possibilidade da dosagem da FAL ic porém animais portadores de doenças crônicas
não adrenais e que sofrem estress crônico revelam elevação desta enzima. Outro aspecto
relevante é que seria esperado no cão com valores acentuados de Fosfatase
alcalina a presença de icterícia, o que não ocorre nos portadores de Cushing
sem outras doenças concomitantes.
A hiperglicemia é o achado
principal quando a suspeita de Diabetes Melito, para efeito diagnóstico a
coleta deve ser feita em jejum, porém os gatos são a exceção a regra por
apresentarem hiperglicemia de estress com frequência. A glicose no paciente com
excesso de cortisol fica geralmente normal ou no limite superior, mas alguns
animais desenvolvem Diabetes Melito. A Frutosamina auxilia no caso de suspeita
clínica de Diabetes em pacientes que sofrem estress crônicos ou no paciente
felino bem como no monitoramento do animais diabéticos. A molécula de
frutosamina é formada pela ligação irreversível com proteínas plasmáticas
principalmente a Albumina e reflete o estado glicêmico de 15 dias anteriores. A
hipoglicemia persistente pode estar associada a diminuição dos níveis de
cortisol dos animais com síndrome de Addison.
A avaliação do colesterol e
triglicerídeos pode revelar seu aumento secundário a lipólise gerada pela
elevação do cortisol. Aproximadamente 70% dos cães com hipotireoidismo levam a
hipercolesterolemia e por volta de 88% apresentam hipertrigliceridemia
associada a redução da taxa de degradação de lipídeos. A característica
marcante na amostra sanguínea é a lipemia. A amostra lipêmica é uma alteração
comum às endocrinopatia, seja ela Hiperadrenocorticismo, Diabetes melitos ou Hipotireoidismo,
todavia também pode estar presente em doenças não endócrinas como síndrome
nefrótica, hepatopatia e até em animais alimentados com dietas ricas em
gordura.
A hipernatremia e
hipocalemia são alterações eletrolíticas notáveis no hipoadrenocorticismo e da
relação sódio:potássio abaixo de 27:1. Na insuficiência adrenal primária a
deficiência de secreção de aldosterona resulta na excreção excessiva de sódio e
de cloreto e retenção de potássio. O recomendável é que a coleta ocorra antes
da reposição volêmica do paciente um vez que a concentrações eletrolítica podem
retornar ao normal após a fluidoterapia.
A maioria dos distúrbios
hormonais resultam em alterações no exame de urina que levam a diminuição da densidade
urinária. A poliúria e polidipsia são sinais clínicos frequentes do paciente
endócrino. A hiperglicemia acima do limiar de reabsorção de glicose pelos
túbulos renais leva a glicosúria causando diluição osmótica da urina. Na
Diabetes Insipidus há diminuição da secreção de ADH ou diminuição da resposta
dos ductos coletores a este hormônio. No hiperadrenocorticismo a produção
excessiva de cortisol interfere na ação do ADH nos ductos renais e há possível
inibição na liberação do hormônio Antidiurético. No hipoadrenocorticismo a
redução da densidade ocorre devido a diminuição das concentrações de
aldosterona com aumento da excreção urinária do sódio e perda de água como
também pelo estímulo da liberação do ADH pela hipovolemia. No hipertireoidismo
os animais apresentam aumento da taxa de filtração glomerular e consequente
redução da densidade urinária.
A relação proteína
creatinina urinária pode ser algo marcante em pacientes hipercortisolêmicos com
hipertensão associada.
A glicosúria ocorre quando
há hiperglicemia com aumento acima do limiar de reabsorção tubular, isso ocorre
por volta de 250 mg/dL o que nos leva a pensar em quadros de Diabetes. Quando a
cronificação da doença em pacientes diabéticos, a redução da insulina não
permite o acesso a glicose, cumina na metabolização de gorduras corpóreas
resultando na produção de corpos cetônicos na forma de hidroxibutirato que será
convertido em acetato cetoacetato, sendo que somente o aceto acetato é
detectado na tira de urina. Uma observação importante é que altos níveis de
glicose urinária podem mascarar uma urina com densidade esperada muito abaixo
do normal.
Resumindo, no Hipoadrenocorticismo
podemos esperar hemograma sem leucograma de estress, hipoglicemia persistente,
azotemia pré-renal (elevação de creatinina e uréia), hiponatremia e
hipercalemia, com relação sódio:potássio abaixo de 27:1 e densidade urinária
diminuída. No Hipotireoidismo o paciente pode ter anemia normocítica
normocrômica arregenerativa e elevação de colesterol e de triglicerídeos.
Pacientes diabéticos demonstram hiperglicemia, elevação de frutosamina sérica,
hipercolesterolemia, glicosúria, cetonúria e densidade urinária esperada
reduzida. No hipertireoidismo a alteração hematológica frequente é a
policitemia, o leucograma de estress, alguns casos apresentam eosinofilia e
linfocitose, elevação de enzimas hepáticas por mecanismos não esclarecidos e
azotemia relacionada a aumento do catabolismo proteico. No
hiperadrenocorticismo o hemograma pode demonstrar policitemia ou quantidade de
eritrócitos próximos a valores superiores de normalidade, leucograma de
estress, trombocitose, elevação de fosfatase alcalina, discreta elevação de Alt,
hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, densidade urinária reduzida, relação
proteína creatinina urinária (UPC) elevada.
Na endocrinologia o laboratório deve ser
considerado um grande aliado, porém os resultados dos exames de rotina devem
ser interpretados com cautela e correlacionados com os aspectos clínicos, dados
de anamnese e dos resultados provas hormonais, pois não existe um parâmetro que
seja patognomônico para um distúrbio hormonal específico. Os achados laboratoriais
são as migalhas que nos trilham pelo caminho do diagnóstico.